Em 2016 participei da fundação e direção do movimento SISO (Save Israel, Stop the Ocupation), que tinha como objetivo conscientizar e resgatar os setores progressistas judaicos e do sionismo humanista na Diáspora judaica para se organizarem para pressionar o governo israelense pelo fim do domínio de Israel sobre o povo Palestino e da ocupação de territórios palestinos. O movimento baseou-se no pressuposto de que era possível mudar o eixo da política israelense através da mobilização da maioria da opinião nas principais comunidades judaicas fora de Israel, em que não prevalece a ideologia do chamado “sionismo revisionista” que caracteriza a coalizão de partidos de direita, ultradireita e religiosos ultra-ortodoxos comandada por Bibi Netanyahu, que tinha demonstrado não ter nenhum interesse em retomar conversações com a Autoridade Nacional Palestina para um acordo definitivo de paz e a criação do Estado da Palestina ao lado do Estado de Israel.

Durante o ano de 2016 foram criadas várias comissões para desenvolver atividades em todo o mundo. Uma dessas comissões, a de propaganda, desenvolveu uma metáfora que para mim representa todo o nosso processo.

Imaginem uma Caravela em alto mar com as velas baixas. Os ventos, fracos ou fortes, não ajudarão a essa Caravela seguir a um porto seguro. Para isso precisamos levantar as velas, para que em momento dado, quando ventos fortes soprarem, a Caravela possa mover-se e assim direcionar a um porto seguro. Vamos entender a metáfora. O que significa a Caravela, quem é o vento e quem levantará as velas.

A CARAVELA
A caravela, metaforicamente, representa as várias possibilidades de solução ao conflito. Podemos descrever as soluções em 5 protótipos:

Na Palestina-Israel vivem hoje em dia 8 milhões de judeus e 6 milhões de Palestinos. Outros 4,5 milhões de Palestinos vivem na Jordânia, Síria e Líbano

1. A Grande Israel
Os territórios conquistados por Israel em 1967 seriam anexados ao estado de Israel, criando assim um Estado do Rio Jordão ao Mar Morto. A população Palestina seria “incentivada” a se retirar destes territórios e os palestinos que ficassem nele teriam plenos direitos civis, mas não o direito a voto. Desta forma criamos um Estado Judeu baseado no apartheid.

2. A Grande Palestina
Os vários movimentos de libertação da Palestina (OLP, Hamas, Jihad Islâmica etc) conseguiriam conquistar todos os territórios entre Rio Jordão e o Mar Morto, criando o Estado palestino. A população judaica seria “incentivada” a se retirar, e aqueles que ficarem teriam plenos direitos civis, mas não direito a voto. Desta forma Criaríamos um Estado palestino baseado no apartheid.

Apesar destas duas primeiras propostas parecerem surrealistas, grupos de extrema direita em Israel e na Palestina ainda acreditam ser possível a realização destes planos. Em Israel eles estão representados pelos partidos religiosos, representando 10% dos membros do Parlamento. O braço ativo é o movimento de colonos na Cisjordânia que hoje são 600 mil pessoas. Na Palestina, os movimentos Hamas e Jihad Islâmica seriam os representantes deste projeto.

Estas duas correntes acreditam ser possível a eliminação do outro e a realização de limpeza étnica. Elas perpetuam a situação de beligerância e não veem nenhuma possibilidade de um acordo futuro. Logicamente, desde um ponto de vista de paz, estas propostas estão totalmente fora de cogitação. Elas não são soluções para o conflito, não são conciliatórias e não buscam a paz.

3. Dois estados independentes
Em março de 2010 foi publicada uma pesquisa de opinião que indicou que 66% (sessenta e seis por cento) da população israelense seria favorável à solução de dois Estados e 14% (quatorze por cento) de apoio à solução de um Estado binacional. Mais de 70% da população palestina seria a favor à solução de dois estados e 30% a favor de um Estado binacional.

Hoje em dia há pelo menos 4 propostas de um acordo baseado no princípio de 2 estados – O Acordo de Genebra, A Proposta da Liga Árabe, a proposta do ex-primeiro ministro Olmert e, logicamente, o Acordo de Oslo. Cada um deles têm suas particularidades, mas de um modo geral todos eles definem:

• Fronteiras: a linha verde seria a fronteira entre os dois países, com pequenas correções de até 4% dos territórios. Estas correções seriam para que Israel anexe territórios da Cisjordânia com grande concentração de Colônias e população de colonos. Em troca Israel cederia territórios alternativos.

• Jerusalém: Existem várias opções. Dividir Jerusalém em Oriental (capital da Palestina) e Ocidental (capital de Israel), Jerusalém indivisível municipalmente, sendo Capital da Palestina e de Israel, Jerusalém internacional, sendo Capital de ambos os Estados.

• Segurança: neste ponto também haveria várias opções, sendo que a preocupação de Israel é a fronteira com a Jordânia. Ao longo do rio Jordão, uma Unidade Israel-Palestina ou uma unidade da ONU cuidariam da fronteira. Todas as organizações palestinas seriam desarmadas, sendo criado um exército palestino com restrições das armas que poderiam manter. Israel, durante um período moratório, seria a única força militar responsável pela segurança, tanto de Israel quanto da Palestina. O Estado palestino poderá manter um sistema policial.

• Refugiados Palestinos: Entre Jordânia, Síria e Líbano há 4 milhões de refugiados. Os refugiados teriam o direito à cidadania palestina ou cidadania nos países em que vivem recebendo indenização por parte de Israel. Uma minoria poderia voltar aos seus lugares nativos em Israel, como parte do processo de unificação de famílias.

4. Estado Binacional

Solução do Estado único ou solução binacional refere-se a uma proposta de solução do conflito Israel-Palestina que consiste na criação de um estado único, mediante a unificação dos territórios de Israel, da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, garantindo-se direitos de cidadania iguais para todos os habitantes, independentemente da questão étnica ou da religião.

Enquanto alguns defendem a solução do estado único por razões ideológicas, outros acreditam simplesmente que esta já é a situação de facto.

No final de janeiro de 2004, o próprio Yasser Arafat, na época presidente da Autoridade Palestina, diante da construção do Muro da Cisjordânia, advertiu que as circunstâncias favoráveis à solução de dois Estados estariam se esgotando; e Ahmed Korei, na época presidente da Autoridade Palestina, disse que diante da política empreendida por Ariel Sharon, que incluía o controle israelense sobre grandes porções da Cisjordânia, os árabes-palestinos iriam abandonar a sua demanda por um Estado Independente separado do Estado de Israel e passariam a lutar por um Único Estado na Palestina, com características democráticas que garantissem a cada homem um voto.

Uma pesquisa de opinião em Israel indicou que apenas 6% (seis por cento) apoiam a solução do Estado único. Essa mesma pesquisa também indicou que 67% (sessenta e sete por cento) dos judeus israelenses temiam a solução do Estado único. Por outro lado, 30% (trinta por cento) dos árabes-palestinos se declaravam favoráveis à solução do Estado único; mas a solução de um Estado binacional nunca foi promovida pela liderança árabe-palestina e nunca foi sua política escolhida.

Para a maioria dos políticos e da população a solução de um “Estado binacional” não seria viável, pois negaria um elemento-chave dos objetivos que justificariam a própria existência do Estado de Israel, que seria a necessidade da existência de um Estado para os judeus e, também, seria contrária a uma meta fundamental da liderança árabe-palestina, que é a de instituir um Estado para a comunidade árabe-palestina.

Edward Said diria que – defender binacionalismo seria defender que as fronteiras internacionalmente reconhecidas do Estado de Israel, somadas com os territórios palestinos, deveriam ser o território de um Estado secular, constitucional e liberal, no qual árabes-palestinos e judeus seriam cidadãos, tendo como lema “Uma Terra para dois povos”.

5. Confederação Israel-Palestina – “Dois estados em uma Terra”

De forma mais sincera e transparente possível tenho que confessar que faço parte deste movimento e de sua diretoria. Assim que minha análise não é uma análise imparcial. Sou totalmente a favor desta proposta tanto no nível individual como no nacional, bem como nos termos humano, histórico, cultural, religioso e político nacional. O movimento “Land for All” é um movimento israelense-palestino com sedes em Tel Aviv e Ramallah. Parte de seus membros pertencem ao parlamento Israelense e Palestino.

As quatro primeiras propostas aqui expostas descrevem acordos de paz político-diplomáticos. Acordos que não apontam o lado humano, a cultura, a história e a religião dos dois povos – o povo judeu e o povo palestino. Acordos que não apontam o lado emocional, o sofrimento, a perda, as aspirações. “Dois Estados em uma Terra”, ou melhor seu novo nome “Land for All” (Terra para Todos), parte do princípio que o povo Judeu tem conexão histórica, religiosa, cultural com toda a Israel-Palestina, isto é, desde o Rio Jordão até o Mar Mediterrâneo. Os lugares sagrados ao judaísmo estão na Cisjordânia (Judeia e Samaria de acordo com o judaísmo). Mesmo não sendo religioso, consigo entender a necessidade de um judeu religioso estar em contato com os lugares sagrados, inclusive morando ao lado deles. Da mesma forma o povo Palestino tem conexão histórica, religiosa, cultural com toda a Palestina-Israel. Lugares sagrados ao islamismo e cristianismo se espalham por toda a região. As cidades de Ashquelon, Yaffa, Acre, Haifa, Safed, Nazareth e outras 100 aldeias árabes estão diretamente ligadas com a história nacional e particular de cada palestino. Assim como mais de 400 aldeias que foram destruídas durante a Guerra de 1948 (Guerra da Independência de acordo com a narrativa sionista; a Nakba de acordo com a narrativa palestina). Dividir esta Terra, unidade regional, seria como amputar meio corpo a cada um dos povos e desconectá-lo de parte de sua história, religião e cultura.

A proposta de “Land for All” é a criação de 2 Estados nas fronteiras de 1967 – O Estado da Palestina e o Estado de Israel. Estes estados seriam totalmente independentes, cada um com seu sistema legislativo (parlamento), executivo (governo) e judiciário independentes. Cada país com seu sistema de segurança (policia, exército e forças de segurança) independentes. Cada pais com sua bandeira e hino. Isto é necessário para a consciência coletiva do povo judeu, traumatizado pelas perseguições e principalmente pelo holocausto, e do povo palestino, traumatizado pelo domínio inglês, jordaniano e egípcio e nos últimos 50 anos pelo domínio israelense. A necessidade de Pathos Nacional por ambos os povos tem que ser levada em consideração no acordo entre eles.

Neste sistema confederativo haveria o livre trânsito de um país ao outro. Assim como na União Europeia, palestinos poderiam residir em Israel, sendo cidadãos palestinos residentes em Israel, assim como israelenses poderiam pedir residência na Palestina, sendo cidadãos israelenses residentes na Palestina. Assim como um italiano pode viver na França, ou um português na Alemanha. É um direito do país aceitar ou não a residência. O palestino residente em Israel e o israelense residente na Palestina teriam que acatar as leis do país em que residem.

Estes dois Estados teriam uma relação confederativa com fronteiras abertas e um governo confederativo com 4 ministérios:

• Segurança: uma unidade formada pelos dois exércitos garantiria as fronteiras externas da Confederação.
• Economia: teria a função de desenvolver a economia da Palestina, diminuir as diferenças enormes do PIB israelense e palestino e criar uma política regional econômica e zonas industriais, comerciais, high tech comuns aos dois países.
• Infraestrutura: determinar a estratégia de transportes, vias ferroviárias e rodoviárias, aeroportos e portos, assim como aproveitamento de energia elétrica, água e ecossistema regional.
• Governança: garantir os direitos dos palestinos vivendo em Israel e dos israelenses vivendo na Palestina.

O segundo ponto que a proposta leva em conta é a problemática de Jerusalém. Os dois povos, as 3 religiões têm conexão direta a Jerusalém. Dividir Jerusalém seria um “ato pecaminoso”, uma tragédia a esta cidade que em seu nome carrega o símbolo da paz – shalom, salam. A proposta de “Land for all” é que Jerusalém seja uma cidade compartilhada. Uma cidade unificada, a capital de dois Estados – Palestina e Israel.

O terceiro ponto se refere aos refugiados palestinos. Em recente pesquisa realizada pelo Instituto IPRIC, 600 mil palestinos pediriam o retorno as suas origens, no Estado de Israel. A maioria (quase 3.5 milhões) preferem indenização e cidadania no País em que vivem (temos que levar em conta que estamos na 4ª geração de refugiados e que muitos já se estabeleceram em seus estados atuais). O refugiado palestino que queira voltar a seu lugar de origem terá que nacionalizar-se palestino e pedir residência em Israel.

O quarto ponto são os colonos que se assentaram ilegalmente na Cisjordânia. Em torno de 60% voltariam a Israel. As colônias seriam legalizadas e aqueles colonos que queiram viver na Palestina teriam que pedir residência palestina, acatando todas as leis da Palestina, inclusive a abertura das colônias a qualquer cidadão palestino.

Paralelo à proposta política, existe também uma proposta humana de reconciliação entre os povos, através de um processo de comissão da verdade e um processo educativo. O movimento apoia ONGs como Parents Circle, de famílias judias e palestinas enlutadas por morte de seus entes queridos por forças militares israelenses e palestinas. As Ongs Alternative for Peace and NVC, fundada e dirigida por mim, e a ONG “Raízes”, realizam atividades educativas para crianças e jovens, judeus e palestinos.

A VELA

Edward Said não via na solução de um Estado binacional (uma Terra para dois povos) somente uma solução do conflito. Para ele a solução incluía também o processo de reconciliação entre o povo palestino e o povo judeu. O reconhecimento por ambas as partes ao direito de viver na Palestina-Israel. O reconhecimento às diferentes narrativas baseadas na história, cultura e religião de ambos os povos. Assim como “Land for All”.

A reconciliação significa criar um processo educativo no qual a aceitação do outro permita o entendimento de que viver juntos não é uma ação de tolerância, mas sim um processo enriquecedor. A reconciliação e o processo educativo são a VELA de nossa Caravela.

No processo educativo devemos nos questionar e responder “se fazemos parte do problema ou da solução”.

Fazer parte do problema significa relacionar-se com o medo, com o passado, com a narrativa dogmática de sua história. Fazer parte do problema significa desenvolver uma educação baseada na ideologia do medo, na ignorância, gerando o ódio. Fazer parte do problema significa polarizar as ideias, desumanizar o outro, animalizar o outro, deslegitimar o outro. Fazer parte do problema significa criar muros reais e virtuais entre as partes, boicotar, não dialogar. Viver no problema é viver no passado.

Fazer parte da solução significa relacionar-se com o amor, com o presente e o futuro, sem esquecer do passado, entendendo que existem duas narrativas que têm que ser analisadas num futuro, quando nossos corações não estejam transbordados de sofrimento, medo e ódio. Fazer parte da solução significa criar uma educação de amor à vida, de pensamento crítico, de conhecimento de causa, gerando a esperança. Fazer parte da solução significa criar pontes entre as ideias, humanizar o outro, legitimar sua existência. Fazer parte da solução significa derrubar muros, cooperar, dialogar. Viver na solução é viver no presente olhando para o futuro.

O que temos que fazer na área educacional em Israel e na Palestina.

Edward Said descreve um processo do Orientalismo parecido ao processo que Paulo Freire descreve como Educação Bancária. Said diz “A visão orientalista implica que o subalterno colonial (o povo colonizado) é incapaz de pensar, agir ou falar por si mesmos, portanto, são incapazes de escrever suas próprias histórias nacionais. Em tais circunstâncias colonizadoras os estudiosos orientalistas do Ocidente escreveram a história do Oriente – e assim construíram as identidades culturais modernas da Ásia e do mundo árabe – a partir da perspectiva de que o Ocidente é o padrão cultural para emular, a norma a partir da qual o “exótico e inescrutável” Orientais deverão dirigir-se.”

Em Israel e na Palestina existem dezenas, senão centenas, de programas educativos, culturais e religiosos que têm como objetivo a aproximação entre judeus e palestinos. A proposta é iniciar o mais cedo possível a relação entre crianças judias e palestinas dentro de Israel e entre Israel e Palestina. Em Israel somos mais de 80 ONGs que trabalham na área de direitos humanos, cultura de adultos, diálogo e educação de crianças e jovens. Atividades de curto prazo e de longo prazo. Atividades de cunho político e de relações humanas.

Infelizmente o medo e a ignorância em relação ao outro, unidos a movimentos de boicote, que interpretam este tipo de atividade como normalização, tornam-se fatores que dificultam a formação de um verdadeiro movimento de massas palestinas-judias pró paz, um movimento pacifista, reconciliador e reumanizador do outro.

O VENTO

O vento metaforicamente seriam as lideranças que levariam os barcos a portos seguros. Uma vez estiradas as velas, essas lideranças teriam apoio, força e motivação para chegar a esses portos.
Quem são essas lideranças. Em primeiro lugar as lideranças políticas formais do país. Os governos israelenses e palestinos. Em segundo lugar as forças seriam as organizações civis, o 3º setor, as ONGs. Como explicado acima, em Israel existem mais de 80 ONGs pró paz.

As forças políticas oficiais atuais desejam a continuidade do status quo. Tanto as israelenses como as palestinas. Principalmente o governo israelense de extrema direita, messiânico como o governo de direita da Hamas (não vou me estender aqui para provar que a Hamas não é um governo de esquerda, mas sim de extrema direita). Essas lideranças se mantém no poder através do processo da ideologia do medo – medo-ignorância-raiva-violência. Este processo leva as massas a acreditarem que a única solução à sobrevivência e a luta contra o inimigo desumano é a força. O governo atual de Israel, assim como a Hamas, mantém o status quo numa luta constante, que não leva a nenhuma solução a não ser a continuidade no poder.

Assim que as lideranças que poderão começar um processo são as lideranças do 3º setor. O Fórum de Organizações pró paz em Israel reúne mais de 120 ONGs israelenses. ALLMEP (Alliance for Middle East Peace) no Oriente Médio congrega mais de 100 ONGs israelenses e palestinas. Somos centenas de milhares de cidadãos.

Na área política destacamos duas ONGs, Shalom Achshav (Paz Agora) – um dos primeiros movimentos a favor de um acordo com os palestinos, contra as colônias ilegais, cuja principal função é realizar manifestações em massa a favor da paz e também fiscalizar a criação de novas colônias na Cisjordânia – e Nashim Ossot Shalom (Mulheres pela Paz) – movimento israelense-palestino de mulheres com mais de 50 mil participantes. Realizam semanalmente encontros e 2 a 3 vezes por ano realizam passeatas com a participação de dezenas de milhares de mulheres e homens em Israel e na Palestina.

ONGs que atuam na área de relações humanas entre judeus e palestinos como “Family Circle” – famílias israelenses e palestinas enlutadas – realiza encontros e debates e é a responsável principal pela realização do dia alternativo da memória aos caídos nas guerras. Neste ato se memora as tragédias, a tristeza e o sofrimento pelos caídos. Neste dia se memoriza a Nakba. Hoje participam 10 mil pessoas, judeus e palestinos israelenses e palestinos da Cisjordânia (desde que o governo autoriza a entrada destes em Israel) e Omdim Beyahad (Stand Together) – organização de judeus e palestinos dentro de Israel, realizam seminários e principalmente manifestações pequenas passando de cidade em cidade, aldeia em aldeia com o lema “judeus e árabes não temem viver juntos”.

ONGs que registram a opressão e o abuso do poder como Shovrim Shtiká ( Breaking the Silence) – soldados israelenses que decidiram contar o que realmente acontece nos territórios ocupados por forças do exército de Israel e Betzelem, que reporta e filma agressões a palestinos e atos ilegais do exército (ex. O caso Azaria).

ONGs que acreditam na educação através do diálogo, de processo reparativo e de reconciliação como Alternative for Peace and NVC e “Raízes” – realizam colônias de férias, seminários, workshops bilíngues para crianças e jovens em Israel e na Palestina e Yad beYad – rede de escolas bilíngues para judeus e árabes em Israel.

ONGs que acreditam no diálogo constante sobre a busca da paz como o “Parlamento Popular Israelense-Palestino” – uma vez por ano se realiza uma reunião de 6 horas na qual se encontram 500 israelenses e 500 palestinos e se dividem em mesas de 20 para debater sobre a paz.

ONGs de assistentes sociais pela paz, advogados pela defesa dos direitos civis, centros de pesquisa, centros de seminários, ecológicas para a defesa da região Israel-Palestina etc. É possível ver a lista de todas as ONGs no site “Chaim Meshutafim” (Vivencia comum) e ALLMEP.

https://dialogtogether.com/en/organisations/page/4/?wpv_view_count=12685
https://www.allmep.org/visionandmission/

Se somos centenas de milhares, como não conseguimos impactar e influenciar as sociedades Israelense e Palestina e o sistema político? A resposta está na “doença das esquerdas” – a incapacidade de criar uma frente com objetivo claro, no qual cada organização contribui com aquilo que melhor pode realizar e que é sua especialização profissional, teórica e prática. Em vez de unirmo-nos trabalhamos totalmente separados, numa luta de “egos” e brigas ideológicas. Infelizmente cada ONG acredita que sua ideologia e estratégia são o único caminho para uma real revolução social e política. Desta forma, somos incapazes de criar uma frente que trabalhe de forma sinergética.
Mas a situação atual, o extremismo deste governo, está criando uma consciência tanto em Israel como na Palestina da necessidade da união de forças. Em Israel, pela primeira vez, criamos uma frente com 25 organizações, “Galileia para todos”, para desenvolver um espaço judeu-árabe bilíngue, pluralista, igualitário na Galileia, no qual o respeito mútuo e o entendimento de que judeus e árabes não só podem viver juntos, como haverá um enriquecimento cultural, social e humano ao conviverem em um mesmo espaço.

Mas as ONGs não podem atuar sozinhas dentro do setor civil. Eles precisam do apoio de outros 3 setores. O primeiro é o setor empresarial. Os grandes empresários em sua maioria se identificam com a direita e apoiam as organizações, que tem como objetivo a anexação dos territórios ocupados da Cisjordânia. O setor empresarial que se identifica com os movimentos pró paz poderia apoiar economicamente a estes e assim poderia desenvolver muito mais atividades que hoje são irrealizáveis somente por motivos econômicos. Mas a desunião das organizações causa uma descrença naqueles que poderiam fornecer o apoio econômico.

Entendo ser necessário criar um diálogo com o setor empresarial e buscar seu apoio e ajuda não só na parte financeira, mas também no desenvolvimento de estratégias de ação. Ao contrário das lideranças de ONGs, que têm uma formação social e humana centrando seu trabalho principalmente nesses processos, o setor empresarial tem sua formação nas áreas econômicas e administrativas centralizadas nos resultados e nas estratégias para alcançar estes resultados.

O segundo setor a ser envolvido é o setor acadêmico. Assim como o setor empresarial, a academia possui um pensar diferente das ONGs que atuam e agem confrontando-se com o dia a dia, enfrentando a realidade do aqui e agora muitas vezes sem um corpo teórico e uma ação baseada em conclusões de dados. A Academia tem muito a contribuir através do desenvolvimento de teorias de mudança e pensamento a longo prazo, de acompanhamento e pesquisas de campo. Unidos as ONGs as Universidades e os Centros de educação superior poderiam oferecer a seus membros, professores e estudantes, realizarem pesquisas teóricas e de campo, acompanhando as ONGs em seus trabalhos. As ONGs poderiam ser um campo fértil de estágios aos estudantes de praticamente todas as áreas de estudos. As universidades poderiam organizar congressos voltados ao trabalho pelos direitos humanos, reconciliação e paz. Não só em relação a questão palestina-israelense, mas universalisando os temas de direitos humanos, reconciliação, mediação e paz.

O terceiro setor, cuja participação considero importante, são as comunidades diaspóricas judaicas e palestinas progressistas. Chamo de progressistas àqueles setores das comunidades que são a favor de um diálogo, a favor da reconciliação e de uma solução política, seja ela qual for, considerando as propostas aqui apresentadas. As comunidades têm várias organizações com as quais podemos manter uma relação de trabalho comum como escolas, centros religiosos, clubes, movimentos juvenis e universitários, organizações de mulheres e outros. Estas comunidades mantem relações com as matrizes, isto é, Palestina e Israel, no nível institucional e no nível social-familiar. Uma triangulação entre as comunidades judaicas e palestinas no Brasil com as comunidades de brasileiros em Israel e na Palestina seria algo inédito nas relações entre os dois povos e no processo da reconciliação. Tivemos uma experiência em Israel e na Palestina há 4 anos, por intermédio do ex-embaixador do Brasil na Palestina, Sr. Paulo França, que me ajudou a criar uma comissão de brasileiros judeus e palestinos residentes em Israel e na Palestina. Esta comissão começou um trabalho que, infelizmente, foi paralisado por pressão de organizações, que viam nesta atividade um processo de normalização. Tenho certeza de que se as comunidades judaica e palestina do Brasil estivessem envolvidas no processo, teríamos conseguido superar estas pressões.

Concluindo a metáfora do VENTO, como as lideranças políticas atuais não atuam na direção de um processo de paz e reconciliação, é de nossa responsabilidade, das lideranças civis, unindo as forças dos setores empresarial, acadêmico e comunitário, desenvolver projetos populares, que possam impactar a sociedade e incentivar e pressionar as lideranças políticas para iniciarem o diálogo pela paz. Temos que substituir o medo, a ignorância, o estereótipo e o embargo por um processo de coragem, reconhecimento e humanização do outro, cooperando e entendendo que cooperação não significa normalização e nem aceitar o status quo do domínio de Israel a Palestina. Muito pelo contrário, significa unir as forças de todos aqueles que acreditam que a única solução para o fim do conflito é a criação do Estado Palestino, seja ele um Estado binacional, uma confederação ou dois estados totalmente independentes.

CHAMADO E DESAFIO

O Brasil, sem dúvida, pode ser um laboratório enquanto ao modelo de triangulação proposto anteriormente. Eu cheguei a Catedra E. Said através de lideranças do movimento JUPROG de judeus progressistas brasileiros que estão em contato com organizações palestinas e árabes em geral, muçulmanas e cristãs. Parte destas lideranças fazem parte de comissão inter-religiosa que atua em SP, RIO, POA. Precisamos de uma organização de renome, aceita por ambas as partes, progressistas palestinos e judeus, para dar início ao processo. Uma organização acadêmica. Sendo a Catedra E. Said um foco acadêmico aberta ao diálogo entre judeus e palestinos faço um chamado, um desafio: Assumir no Brasil a vanguarda de criar o diálogo entre judeus e palestinos brasileiros, desenvolvendo encontros, seminários, cursos sobre o conflito, cursos de formação de lideranças pacifistas, ativismo fora dos muros da academia e finalmente criando uma ponte com organizações israelenses e palestinas no Oriente Médio para incentivá-las a criação de uma frente pelo fim do domínio de Israel a Palestina, pela criação do estado Palestino e pela paz.

Este laboratório teria também uma repercussão global e local. Seria um laboratório para outros países com comunidades palestinas e judaicas, provando que podemos criar um diálogo pró paz. Mas também teria seu aspecto de localidade, sendo um exemplo ao diálogo entre setores da sociedade brasileira que estão em conflito como populações ricas e pobres, brancos e negros, homens e mulheres, LGBT e outros.

Caso a direção da Catedra E. Said aceite pensar este chamado eu me disponho, de forma ativa, a participar do diálogo e da criação de uma equipe de trabalho para levar este desafio a prática. Assim, estaremos fazendo parte da solução e não do problema.
Shalom, Salam, Paz!!!

Olá, como podemos te ajudar?