DAS PRÁTICAS EXTENSIONISTAS DO PUA

Ao longo dos anos de existência do PUA, as suas práticas extensionistas buscaram a construção de uma cultura de paz e minimização das violências, capacitando sujeitos para a paz e criando condições de empoderamento e emancipação da coletividade nelas envolvidas, quer fossem os membros do projeto ou as pessoas presentes na comunidade.

Mediante tal propósito, e, ainda nos momentos iniciais de implementação do projeto, em 2011, um levantamento junto às lideranças locais foi realizado. A intenção residia em, por meio das trocas de saberes, reconhecer o contexto (necessidades, demandas, riquezas históricas e culturais) e os espaços no qual os extensionistas estavam sendo inseridos. De fato, através das etnografias junto aos líderes comunitários, somadas às diversas ações lúdicas realizadas por meio de visitas clownescas – momentos em que palhaços e brincantes interagem de forma improvisada e espontânea – aos distintos espaços sociais existentes nos bairros Cristo e Rangel – como a Associação Promocional do Ancião Dr. João Meira de Menezes (ASPAN), a Vila Vicentina Júlia Freire, à Creche Edukar, o Núcleo de Acolhida Especial (NAE), a Unidade de Acolhimento Infantil (UAI), as escolas públicas Tiradentes, Santa Ângela, Agostinho Fonseca, e Santa Emília de Rodat, e a participação em reuniões articuladoras com a Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (CAGEPA), o Orçamento Democrático, e as da Rede CrerSer (que articula diversos atores como escolas públicas, associações e igrejas dos bairros Cristo e Rangel, dentre outros), percebeu-se a existência da insegurança em diversos pontos da comunidade adjacente à universidade, seja pelas questões estruturais e culturais, ou pela existência de grupos violentos influentes em suas localidades.

No entanto, tendo como um dos arcabouços teóricos o peacebuilding from below (Ramsbotham, Miall, Woodhouse, 2011), que se utiliza de uma visão estratégica quanto ao construir a paz de modo sustentável a partir das comunidades locais, viu-se ser necessário focar em pontos fundamentais, nas quais as propostas de solução dos conflitos pudessem ser aplicadas de modo que seu monitoramento fosse possível; mais do que isso, que o foco estivesse no tratamento dos conflitos e não em sua resolução. Esse tipo de abordagem se mostrou acertada ao se reconhecer que, as violências percebidas não tinham razão única, mas multifacetada, e que dinâmicas de empoderamento dos sujeitos era uma questão a ser incentivada. Daí, que uma das primeiras estratégias de atuação foi a realização de Alfabetização e Letramento para Jovens e Adultos, dentro da lógica de Paulo Freire, que continua sendo mantida, mas com o foco nas crianças com atraso escolar.

Contudo, foi após o contato com a Rede CrerSer que uma visão mais estratégica foi encontrada, posto que se determinou, em 2013, que a Escola Municipal de Ensino Fundamental Santa Ângela concentraria as dinâmicas restaurativas desenvolvidas pelo PUA, o que ocorre até os dias atuais, ainda que as mesmas práticas também estejam sendo realizadas em outras escolas como a Agostinho Fonseca e Santa Emília de Rodat. Essas instituições abarcam conflitos de níveis e vertentes diversas, os quais não se limitam apenas a relação entre a comunidade escolar, mas também se ampliam à interação destes com seus familiares e com a comunidade. A gestão educacional da escola Santa Ângela foi a primeira a dar abertura para que práticas alternativas às do sistema disciplinar punitivo fossem construídas. Esse reconhecimento é extremamente significativo quando se considera que o processo de mudança de lentes de aprendizagem relacional, não se dá de maneira repentina, mas gradual, posto que uma nova cultura está sendo proposta, a cultura da paz.

Nesse sentido, e iniciando pela sensibilização pela arte, utilizando-se da figura do palhaço e das brincadeiras durante os intervalos recreativos, o PUA começou a aproximação junto aos alunos. Daí em diante, outras ferramentas foram adicionadas, como o fantoche, e novas formas de inserção para a paz foram desenvolvidas, como as sensibilizações junto aos professores e funcionários das escolas municipais, nas quais capacitações de conteúdo restaurativo e lúdico foram ofertadas tanto para os profissionais das escolas e para os alunos, quanto para a comunidade acadêmica do Campus V da UEPB.

Atividades de dança e rádio escola destinados à cultura de paz, ministradas por membros do PUA, por meio do programa Mais Educação, na escola Santa Ângela, também colaboraram na construção de um olhar mais sensível ao Outro, seus corpos, suas linguagens, seus tempos e ritmos, o que contribuiu para a redução da barreira relacional entre insiders e outsiders (Walker, 1993) tão sentida nos processos de construção da paz, criando, em certa medida, dinâmicas de paz mais orgânicas, posto que são trabalhadas mais conectadas ao local e à sua lógica cotidiana rotineira.

Ademais, por meio dessas atividades, e das sensibilizações e capacitações desenvolvidas, foi possível perceber demandas de cuidado, diálogo, transformação e transcendência, no que tange à forma como os conflitos são abordados e tratados nas escolas.

Assim, utilizando-se de uma metodologia ativa e participativa baseada na autonomia e desenvolvimento subjetivo dos participantes, com fins de buscar transformações de animosidades por meio do desenvolvimento de reflexões críticas no meio, o PUA introduziu práticas circulares, artísticas e de transcendência para a paz apoiadas em autores dos Estudos para Paz internacionalmente reconhecidos como Johan Galtung, John Paul Lederach, Lisa Schirch, Howard Zehr e Mohandas Gandhi, bem como na pedagogia popular de Paulo Freire, nas técnicas teatrais de Augusto Boal, nas formas de atuação e teatro físico do francês Jacques Lecoq, e, ainda, no brasileiro Luís Otávio Burnier, fundador do Laboratório Unicamp de Movimento e Expressão (LUME), e, também, na abordagem comunicacional não violenta de Marshall Rosenberg, bem como dos círculos de construção de paz fundamentados por Kay Pranis.

Por esses caminhos, as práticas do PUA vem contribuindo significativamente no enfrentamento da violência, de maneira a estimular o gerenciamento de conflitos de modo transcendente, criativo, interdisciplinar e transdisciplinar, desvelando formas não tradicionais e humanistas de educação para a paz. Deste modo, níveis de violências têm sido minimizados e interações sociais realizadas de maneira mais empática, corroborando para a construção de segurança e cultura de paz. Os círculos de diálogo, as sensibilizações e capacitações para a paz e promoção do encontro, e as interações artísticas e lúdicas foram estimulando um olhar mais preventivo e menos autoritário nas escolas.

Após um trabalho conjunto com o Ministério Público Federal, que promoveu o Curso de Formação Teórico e Prático no Modo Vivencial em Círculo de Construção de Paz, em julho de 2016, começou-se a aprofundar ainda mais as práticas de círculos de diálogo, dessa vez iniciando com turmas do Ensino Fundamental I (tarde), tendo os professores das instituições como co-facilitadores, os quais planejavam os círculos com os membros do PUA, que eram os facilitadores, mas, que, ambas as posições foram alternadas conforme a ocorrência dos círculos, de maneira que chegou ao ponto dos próprios professores planejarem e facilitarem as práticas sem a presença dos membros do projeto. A autonomia em realizar seus próprios círculos restaurativos funcionou como sinalizador de seu próprio empoderamento.

Essa demonstração de autonomia também foi sentida nas turmas do Fundamental II (manhã), onde, no início de 2017, após uma formação realizada pelo PUA, na UEPB, sobre Cultura de Paz e Círculos de Diálogo, começaram a ser realizadas as práticas dos círculos nas turmas do Fundamental II (manhã). Dessa vez, não apenas professores se destacaram na condução dos círculos, mas também especialistas.

Outras dinâmicas que têm contribuído para a autonomia e empoderamento dos sujeitos e à mudança social tem sido a arte teatral, a qual é dotada do potencial de conectar a comunidade por meio do acesso à sua memória coletiva. Em 2015, através de um convênio estabelecido com a Fundação Fulbright que possibilitou a vinda de Cynthia Henderson, do Projeto Performing Arts for Social Change – PASC4, para João Pessoa, foi produzido a peça Por quem choramos: a violência descoberta, encenada pelos membros do PUA, cujo roteiro trabalhou memórias negativas e dolorosas do passado de vítimas da violência nos bairros Cristo e Rangel. Duas escolas foram palco para sua apresentação, a escola Santa Ângela e a Durmeval Trigueiro Mendes e, findada a peça, houve um momento de discussão entre o público e os atores, momento em que alguns adolescentes da plateia afirmaram terem se sentido afetados e motivados à mudança do cenário violento no bairro.

Embora se tenha conhecimento das necessidades da comunidade circunvizinha à UEPB, é sempre válido solicitar às lideranças educacionais suas sugestões de como deve ser a atuação do projeto bem como o que deve ser feito para que a violência seja enfrentada e combatida, o que ocorre com reuniões constantes com a gestão da escola, para discussão do andamento e do planejamento de ações futuras. Esse pensamento reconhece e oportuniza a participação de todos os envolvidos nestas ações, mesmo que o PUA tenha uma proposta acadêmica de como atuar e de como gerenciar e transformar os conflitos que se apresentam nos espaços sociais. Esta atitude visa a adequar a proposta acadêmica por aqueles que diretamente estão sendo atingidos pela complexidade dos conflitos e conhecem o contexto no qual se pretende influir, até porque são eles que sustentarão o processo por longo prazo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As dinâmicas extensionistas do Projeto Universidade em Ação realizadas desde 2011 por meio de ferramentas lúdicas, artísticas, dialógicas e restaurativas têm exposto que a construção da paz requer criatividade, transcendência, persistência, regularidade e verdade, características encontradas nas figuras do palhaço e do brincante, e nas dinâmicas dos círculos de diálogo, teatro e dança circular, por exemplo.

Estas, por sua vez, têm sido inseridas no ambiente escolar, notadamente, nas escolas municipais Santa Ângela, Agostinho Fonseca e Santa Emília de Rodat, situadas em João Pessoa, Paraíba, com o intuito de modificar as formas como os conflitos são trabalhados, suas reações e propostas de prevenção, a fim de estimular habilidades de gerenciamento mais criativas e transformativas.

De fato, pode-se questionar o efeito que a arte da palhaçaria causa na escola, em seus alunos e funcionários, uma vez que o palhaço é um ser transgressor, que denuncia e transforma estéticas e valores éticos e morais solidificados pela sociedade. Contudo, enquanto uma figura desprovida de máscaras sociais assim como a criança, o palhaço cria lógicas alternativas à realidade, e, até mesmo, para o brincar, que requer regras, as quais, embora se apresentem sob o manto normativo, são transformadas através da arte lúdica, criando, assim, identificação e conexão entre as pessoas, o que sensibiliza os profissionais da escola a perceber que formas menos rígidas de educar são possíveis, sem que se perca a autoridade e o respeito.

A construção de uma cultura de paz e a redução das violências se dão nesse jogo, de novas lógicas àquelas punitivas e na arte do encontro com o Outro, onde tal aproximação requer a sensibilidade, o reconhecimento dos contextos locais, suas rotinas, seus espaços e suas lideranças, a construção de redes de conexão e a capacitação dos sujeitos que dão sustentabilidade processual às dinâmicas implementadas.

O PUA tem rompido os muros da universidade e alcançado a comunidade circunvizinha à UEPB, que reciprocamente tem se estendido aos espaços acadêmicos como parte legítima de seu fazer teórico. Por meio desse contato, criam-se vínculos afetivos com as crianças e com os profissionais da escola, possibilita-se o aprendizado mútuo e a busca por alcançar a paz, de forma pragmática.

 

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