4. AS ARTES COMO LINGUAGEM INSTRUMENTAL A NÃO VIOLÊNCIA
Um dos princípios básicos da Psicopedagogia do Amor, modelo teórico e prático do Centro Educacional “Espaço Vital”, é que as inteligências se dividem no espectro racional-emocional, sendo as inteligências lógica-matemática e a verbal situadas no polo racional, enquanto que as inteligências intrapessoal e interpessoal no polo emocional. As inteligências musical, espacial, cinética situam-se mais próximas do polo emocional.
Nosso sistema é preventivo, isto é, educamos para instrumentalizar a criança e o adulto a confrontar-se com situações de frustração, sobrecarga emocional e crises evitando entrar no CMR e desta forma atuando de forma equilibrada no sistema E-R e não no sistema F-F.
Cada inteligência possui seu código de comunicação – sua linguagem própria. Em nosso sistema educacional, os primeiros anos de socialização serão dedicados para a alfabetização se todo o sistema de inteligências e principalmente o desenvolvimento da Inteligência Emocional.
A inteligência espacial através de sua linguagem, artes plásticas, cores, formas, textura é uma das principais metodologias utilizadas no centro “Espaço Vital”, para o desenvolvimento da Inteligência Emocional.
Através da linguagem artística conseguimos criar um diálogo do indivíduo consigo mesmo, com o outro e com o meio. Um diálogo que tem uma carga grande emocional e subjetiva. A extrapolação através das artes atinge o subconsciente, abrindo a Caixa de pandora, com todos seus monstros, mas também com a Esperança.
Nossa experiência começou com trabalho educacional utilizando artes com crianças, jovens e adultos, centrado principalmente no indivíduo. Neste processo o indivíduo consegue ver seus medos, raivas, fobias, tristezas. Ele vai ao subsolo de sua alma fotografando o conteúdo deste.
Mas, este conteúdo não tem a clareza do racional, do pensar e falar, possibilitando ao indivíduo ver aos poucos aquilo que durante sua vida estava escondido. Vamos, juntos, educador-educando com educando-educador, desvendando esses mistérios. Conscientizando, direcionando, definindo seus valores em relação a si mesmo, ou com empatia ao outro e ao meio.
Mas o processo não se reduz ao processo individual. O diálogo consigo mesmo é o primeiro passo. O processo dialógico segue em grupo, homogêneo, na procura de entender a consciência coletiva e sua influência no comportamento individual e coletivo, e depois heterogêneo, no qual se faz presente os indivíduos pertencentes a grupos conflitantes e seus medos, raivas, estereótipos. Neste processo podemos começar a entender a formulação do racismo e da violência individual, organizacional e institucional.
Para entender a prática, vou trazer alguns exemplos:
I. Crianças
Em nossas colônias de férias bilíngues com judeus e palestinos israelenses as crianças passam um processo de conscientização de sua identidade através das artes.
Em um primeiro momento, em duplas, desenham seus corpos num papel grande. Com um espelho tentam desenhar seus olhos, ouvidos, nariz, boca, cabelos, etc. Desta forma se conscientizam de seu corpo, que depois será trabalhado num processo de inteligência cinética (movimento). Através das roupas e objetos descrevem como pensam, sentem, do que gostam de fazer, com quem gostam de conversar, etc.
Penduramos os desenhos e passamos do diálogo individual (eu comigo mesmo) a um diálogo e busca do comum. P.ex. aqueles que falam a mesma língua do que eu, aqueles que vivem no mesmo tipo de comunidade (aldeia, kibutz, moshav, cidade), aqueles que tem a mesma religião, aqueles que tem o mesmo hobbie, estilo de música, sexo, etc. Neste processo as crianças se dão conta de que eles pertencem a vários grupos, os quais são constituídos de crianças de sexo, idade, religião, nação diferentes.
Na segunda fase, começamos a falar dos medos e raivas ao outro. Quem é esse outro. Através de uma série de desenhos que mostramos, eles expressam seus medos e raivas em relação ao outro. Mas “este outro” joga futebol comigo, brinca de esconde-esconde, desenha, se diverte na piscina, faz teatro, jogamos no computador, etc. Posso até ir à casa dele depois da colônia.
Em poucos dias conseguimos neutralizar o racismo e a violência mutua nas crianças e criar um ambiente de reconciliação. O trabalho final é um mural com mensagem de paz que as crianças junto com um artista desenham. O artista dialogando com as crianças vai colocando seus sonhos e suas aspirações no mural. Logo em seguida as crianças pintam o desenho e acrescentam o que querem.
II. Jovens
No seminário com israelenses (judeus e árabes) e palestinos da Cisjordânia realizamos um workshop de 8 horas utilizando teatro e artes plásticas. Com máscaras brancas fazemos um processo de estereótipos através de técnicas psicodramáticas. Os jovens desenham na parte externa da máscara símbolos que através deles representem a sua identidade. Na parte interna desenham suas emoções em relação a si, ao outro e a situação a qual estamos envolvidos (conflito israel-palestino). Terminamos o processo em pequenos grupos que expressam em conjunto suas esperanças.
Este primeiro processo, utilizando as artes como meio de diálogo, permite de forma emocional tratar dos estereótipos, medos e raivas mutuas.
Num segundo momento fazemos uma ponte entre o emocional ao racional. Coloco uma cadeira no meio da sala e divido o grupo em dois. Um de frente a cadeira e o outro vendo a parte das costas da cadeira. Peço a eles desenharem somente o que veem. No sharing percebemos que existem dois desenhos, duas narrativas, diferentes. Peço que em duplas complementem a cadeira criando uma nova narrativa baseada nas duas anteriores.
Num terceiro momento trabalhamos com o livro “Side by Side” que traz 10 episódios do conflito israel-palestino. Quando aberto o livro, a página da esquerda traz a narrativa sionista e a página da direita a narrativa palestina. De novo, pedimos as duplas de criarem uma nova “História” baseada nas duas narrativas e levando em conta que parte da história não poderá ser comum a ambos.
III. Adultos
No último ano, através de Galileia Para Todos, projeto com 25 ONGs pró paz, desenvolvemos, juntos com a ONG IBDA, artistas palestinos israelenses, e Kfar Vradim, artistas judeus, um Festival no qual artistas palestinos e judeus desenharam quadros com temáticas relacionadas com o conflito. O objetivo era criar um trigger para o diálogo através da contemplação visual. Por outro lado, realizamos cursos de artes, desenho de mandalas, escultura e cerâmica na qual participaram judeus e palestinos. O objetivo destes cursos era a convivência e a quebra de estereótipos, sem nenhuma análise sobre o conflito, possibilitando aos indivíduos o encontro humano, informal e cara a cara.
Concluindo, em situações de conflito o diálogo verbal se realiza de forma violenta, muitas vezes abusiva. Ao contrário, através da linguagem artística, conseguimos superar o diálogo verbal violento, tocar em nossas emoções mais profundas de medo, raiva, estereótipos, racismo. O espaço visual nos permite contemplar e aos poucos analisar o nosso espaço vital aqui e agora. O diálogo através das artes se torna a ponte para a realização do diálogo reconciliatório, não violento, construtivo.