2. A INTELIGÊNCIA EMOCIONAL
A segunda base teórica está na inteligência emocional, duas das inteligências múltiplas.
Em 1990, dois psicólogos norte-americanos, Dr. Peter Salovey e Dr. John Mayer, definiram a “inteligência emocional”. A inteligência emocional é a sínteses das inteligências intrapessoal e interpessoal, sendo seu centro, independente, na amigdala cerebral.
A divulgação do conceito se fez principalmente através do livro “Inteligência Emocional” de Daniel Goleman, periodista do New York Times, em 1995. Nestes dez anos houve um desenvolvimento muito grande da pesquisa e da aplicação no campo da família, educação e organização. Em 2005, no congresso de Inteligência Emocional, na Holanda, o lema foi “Inteligência Emocional para uma sociedade sustentável”. O novo conceito, uma vez aceito, tende a revolucionar a forma de ver o mundo, tomar decisões e buscar soluções de conflitos, assim como exige uma nova visão no processo e no diálogo nas terapias individual, de casal ou de família, no sistema educacional, nas relações interpessoais em organizações, no trabalho e na coordenação e direção de empresas.
O CÉREBRO HUMANO
O cérebro humano está formado por várias zonas diferentes que evoluíram em períodos distintos da evolução humana. Quando o cérebro de nossos ancestrais crescia e desenvolvia uma nova região, as regiões antigas não eram afetadas. Camada sobre camada se foi formando o cérebro humano até os dias de hoje. Definimos 3 principais áreas – o cérebro réptil, o sistema límbico e o neo córtex.
Essas partes primitivas do cérebro humano seguem operando em concordância com um estereotipado e instintivo conjunto de programas, da mesma forma que operam em répteis e mamíferos primatas. Este é o motivo de se dar o nome de “cérebro réptil” ao primeiro estágio, que se responsabiliza por todas as funções relacionadas com a sobrevivência – fome (resposta busca de comida), sede (busca de fontes de agua), instinto reprodutivo (desejo sexual) e o instinto de brigar-ou-fugir (fight X flight, F x F).
Nos répteis as respostas a objetos sexuais, a comida, sede ou ameaça são automáticas e programadas. O neocortex, obviamente não existe nestes animais.
No entanto, muitas pesquisas demonstraram que grande parte do comportamento humano se origina nas zonas mais profundas do cérebro, as mesmas que em tempo dirigiram os comportamentos vitais de nossos antepassados. “Nós ainda temos em nossas cabeças estruturas cerebrais muito parecidas com as do cavalo e do crocodilo”. Nosso cérebro primitivo de réptil, que remonta a mais de duzentos anos de evolução, gostemos ou não, seguem dirigindo nossos mecanismos para cortejar, casar, buscar moradia e selecionar dirigentes. É responsável por muitos de nossos rituais e costumes.
O sistema límbico, também chamado de cérebro dos mamíferos, é a porção cerebral situada imediatamente debaixo do córtex cerebral e que compreende centros importantes como o Tálamo, Hipotálamo, Hipocampo e a amigdala cerebral (não está situada na garganta).
Estes centros atuam em todos os mamíferos, sendo a base do comportamento emocional como o medo e a agressão. No ser humano estes são os centros da afetividade, e é aqui que se processam as várias emoções e as respostas a medos, raivas, dores, angustias, frustrações, inveja, alegrias, etc.
O papel da amigdala como centro de processamento dos “dados emocionais” é indiscutível. Pacientes de amigdala lesionada deixam de ser capazes de reconhecer expressões faciais de alegria, tristeza, dor, de uma outra pessoa, de relacionar-se emocionalmente.
Há cem milhões de anos apareceram os primeiros mamíferos superiores. A evolução do cérebro deu um salto quântico. Por cima do “bulbo raquídeo” e do sistema límbico surge o neocortex, o cérebro racional, cérebro dos mamíferos superiores. Aos instintos, impulsos e emoções agregou-se desta forma a capacidade de pensar de forma abstrata e mais além da imediatez do momento presente (espaço temporal) de compreender relações globais existentes e de desenvolver um “eu consciente de sua existência” e uma complexa vida emocional.
Hoje a córtex cerebral cobre e engloba as zonas cerebrais mais antigas e primitivas. Essas regiões não foram eliminadas e nem foram paralisadas suas ações. A maioria dos centros de absorção de informação, de processamento e de ação localizam-se no córtex cerebral.
O sistema límbico está em constante contato com o neocortex, através de uma rede elétrica e de neurônios, transmissores da informação emocional. Ao receber uma informação exterior, esta se depositará no córtex e será examinada em primeira instancia pelo neocortex, e de lá será transferida a amigdala caso seja uma informação emocional. Esta rede de “diálogo” é que nos possibilita ter controle sobre nossas emoções. Assim que o neocortex nos capacita, além de solucionar problemas de ordem cognitiva, solucionar problemas de ordem emocional. Amor e vingança, altruísmo e intrigas, arte e moral, sensibilidade e entusiasmo vão muito além dos rudes modelos de percepção e comportamento espontâneo do sistema límbico ou do cérebro réptil. Por outro lado, em situações determinadas nas quais o indivíduo sente-se ameaçado, o sistema de comunicação entre as várias zonas cerebrais se desestrutura, passando o domínio de processamento e de ação para o cérebros primários e primeiramente a resposta de F x F.
O CIRCULO DO MEDO E DA RAIVA
Como foi dito anteriormente, em momento de ameaça, o indivíduo reage instintivamente relacionando-se a sua formação primaria, atuando com resposta programada de F x F. Há duzentos milhões de anos, há cem milhões de anos, há 1 milhão de anos, há dez mil anos o ser humano manipulava pouco o seu meio ambiente, e a reação F x F era uma reação de sobrevivência positiva.
Ao sentir-se ameaçado o indivíduo reagia com medo ou com raiva. O medo criava a reação de fugir (flight) e a raiva a reação de agredir (fight). Assim, instintivamente, o ser humano, frente a um desafio ou perigo, fugia ou agredia.
Com a manipulação do meio ambiente, através do entendimento do universo e da capacidade de transformar este entendimento em tecnologia, conseguiu o ser humano através de suas ações, modificar o mundo e enfrentar ameaças antes jamais imagináveis.
Nos últimos dez mil anos, cada vez mais, o ser humano passou a dominar o mundo, a controla-lo e a redefinir seu meio ambiente. Esperaríamos que este processo diminuísse a necessidade do ser humano de utilizar o processo de F x F. Mas, paradoxalmente, cada vez mais, estamos envolvidos numa sensação de ameaça (em sua maioria mais psicológica do que física) atuando, assim, através da reação de F x F.
A este processo chamamos o Círculo do Medo e da Raiva (CMR). O Homem Moderno entra constantemente neste círculo através de três “portões” principais – frustrações, sobrecarga emocional e crise, reagindo através de atitudes agressivas ou através da fuga, o famoso “escapismo”.
Todos nós entramos em momentos distintos de nossas vidas no CMR, atuando de forma instintiva de fxf. O problema surge quando entramos demasiadamente neste círculo, ou seja, quando temos uma vida demasiadamente frustrante com crises e que nos causa um constante transborde emocional.
A criança no mundo moderno no qual a falta da presença dos pais, por motivos econômicos, carreiristas ou divórcio, de um sistema educativo-socializante claro e bem definido (com limites fechados ou abertos), no qual a criança passa a maior parte de seu tempo em contato com fatores socializantes como a internet, a televisão e a propaganda em massa, transmissores de valores materiais, ideológicos e físicos praticamente inatingíveis pela maioria, está propensa a um maior estado de frustração, de transborde emocional e de crise.
O adulto, incapaz em sua maioria, de responder as expectativas transmitidas pelos valores da sociedade (materialista e competitiva) e assumidos e interiorizados por ele próprio, também se torna mais propenso a um maior estado de frustração, transborde emocional e crise.
Desta forma a sociedade abre as portas do CMR, de forma constante, gerando que uma sociedade inteira passe a maior parte de seu tempo neste círculo, assim aumentando a violência interna desta sociedade ou o escapismo de seus indivíduos, através do excesso ou vícios – sejam eles legais como a televisão e a internet, o jogo apostas, o álcool, a obesidade excessiva, o shopping, ou os ilegais como as drogas.
Estar por tempo demais no CMR, atuando através do fxf, cria um sistema estressante que como consequência uma baixa do sistema imunológico resultante um maior índice de enfermidades.
Até os anos 80 acreditava-se que o desenvolvimento cognitivo-racional do ser humano seria a resposta aos problemas e a capacidade do ser humano de buscar soluções para suas angústias, dores, frustrações. Hoje sabemos claramente que a resposta é negativa. Dentro de nossa visão a solução está no desenvolvimento de indivíduos e sociedades mais inteligentes emocionais.
Para isto tentemos entender como se processa o desenvolvimento da Inteligência emocional, quais são seus axiomas e quais são suas metodologias.
DESENVOLVIMENTO DA INTELIGÊNCIA EMOCIONAL
Assim como se desenvolveu uma sistemática e uma metodologia para o desenvolvimento das capacidades cognitivas, e, portanto, do Q.I., se desenvolveu uma sistemática e uma metodologia para o desenvolvimento da Inteligência Emocional.
A Inteligência Cognitiva desenvolve-se até os anos 20. A partir deste momento o que se desenvolve são nossas capacidades instrumentalistas, que nos possibilitam solucionar problemas cada vez mais complexos. O Q.I. medido quantitativamente se fixa. O desenvolvimento da IE é espiral e não linear, isto significa que não existe um ponto inicial e um ponto final. Existe um processo espiral superior, podendo iniciar-se a qualquer idade. Logicamente quanto mais cedo, mais vantajosos será. Até hoje não se encontrou uma forma de medir a inteligência emocional quantitativamente. O Q.E. é medido qualitativamente e não é termo comparativo.
O desenvolvimento da inteligência emocional se dá através de um processo espiral, no qual se desenvolvem 5 habilidades:
1. Autoconsciência
2. Canalização de emoções
3. Motivação
4. Empatia
5. Relações interpessoais
1.Autoconsciência
A inteligência emocional começa com a autoconsciência. O termo consciência se usa para distinguir, entre funções mentais, as características que se referem tanto ao chamado “estado de consciência” como para designar os processos internos do ser humano com os quais é possível adquirir consciência. A este último chamamos de autoconsciência.
No primeiro caso a consciência é vigilância ou estado de alerta e coincide com a participação do indivíduo nos acontecimentos do ambiente que o rodeia.
A autoconsciência não é uma função tão direta como poderia parecer à primeira vista e muito menos uma resposta as emoções. Se eu falo que estou bravo, talvez esteja, mas talvez não. Pode ser que estou com medo, com ciúmes ou que sinta as duas coisas.
Como fazemos para ter uma consciência exata do que nos está passando a nível sensorial, emocional e racional?
A esta pergunta responde o princípio da autoconsciência. Somente quando há uma integração da informação afetiva com o sistema perceptivo. Por exemplo, para poder controlar nossa irritabilidade devemos ser conscientes de quais são os agentes desencadeadores e qual o processo pelo qual surge tão poderosa emoção. Para evitar o transborde emocional temos que ter consciência da razão pela qual permitimos que determinados fatos as afirmações negativas contra nós afetam nosso animo.
A chave da autoconsciência e saber sintonizar com a totalidade das informações que possuímos – nossas sensações, emoções, valores, pensamentos, intenções, ações – sobre nós mesmos. Estas informações nos ajuda a compreender como respondemos, comportamos, comunicamos, atuamos em diversas situações. Ao processamento de toda esta informação é que chamamos de autoconsciência.
Junto com os sentimentos ou emoções, aparecem manifestações físicas como transpirar, respirar com dificuldade, “pele de galinha”, dores de barriga, tensão, cansaço e manifestações cognitivas como falta de concentração, conduta motriz desequilibrada, congelamento e bloqueio da memória, ou seja, a manifestação emocional automaticamente desperta manifestações sensoriais e cognitivas.
Uma feramente da autoconscientização é a conscientização do próprio corpo, dos sentidos. Temos que ter a capacidade de descrever nossos corpos e nossa mente em detalhes, no aqui e agora, incluso a respiração, transpiração, irriquietudes, falta de concentração, pensamentos inquietantes, o conteúdo destes pensamentos.
Começar a observar as manifestações exteriores da excitação interior como absolutamente naturais e comuns.
2. Canalização Emocional
A segunda habilidade prática é a capacidade de canalização dos estados emocionais nos quais há um transborde emocional.
Forma parte da sabedoria universal o fato de que sentimentos alteram o pensamento: quando estamos “cegos de raiva”, “enfurecidos como um touro” ou “loucamente apaixonados”, a própria linguagem indica a razão e o pensamento e em tais situações não temos a mínima possibilidade de um diálogo entre o emocional e o racional. Estamos profundamente envolvidos com fxf.
Como vimos antes, as emoções básicas relacionadas a fome, sede, medo, raiva, sexualidade e o cuidado as crianças, formam parte de nosso repertório primário. Estão enraizadas biologicamente na nossa natureza e formam parte de nosso ser. No entanto o modo que manejamos esses sentimentos em ação estão em nossas mãos, na nossa capacidade de dialogar entre as zonas distintas de nosso cérebro. A capacidade de dialogar entre as diferentes zonas é a capacidade de canalizar nossas emoções.
Por canalizar emoções não entendemos como reprimi-las, muito pelo contrário, criar um repertório comportamental que nos possibilite expressar nossas emoções de forma positiva a nós mesmos e na relação com o outro, inclusive determinando quando expressá-las canalizadas ou totalmente liberadas.
Não podemos eleger nossas emoções. Não se pode simplesmente desconectar ou evitar. Mas está em nosso poder a forma com que expressaremos esta emoção e o objetivo desta expressão.
3. Motivação
A terceira habilidade no desenvolvimento da inteligência emocional é a motivação ou a “relação a vida”. A forma com que me relaciono com a vida será motivadora ou desmotivadora dependendo da forma com que me relaciona a:
1. Medo ou amor: posso relacionar-me com a vida através do medo ou do amor. Uma relação de medo paralisa qualquer tentativa de ação, de criatividade, de mudança. Logicamente uma relação de medo é criada através de uma relação da punição a sentimentos, pensamentos e comportamentos inadequados segundo o punidor. Uma relação de amor cria, motiva, encoraja a pessoa a arriscar na vida, a tentar. O medo ao fracasso, o amor ao viver. O medo gera o pessimismo, o amor o otimismo.
2. Pessimismo ou otimismo: uma visão pessimista do mundo é uma visão que gera passividade, inativismo, determinismo. “Nada vai melhorar”, “para que? ”, “não vai dar certo”, “já tentei” são frases típicas do pessimismo. Uma visão otimista do mundo gera a iniciativa, a tentativa de melhorar uma situação, o ativismo. “Transformar um problema numa oportunidade” é ser otimista. Pessimismo leva a vítima, otimismo a responsabilidade.
3. Vitima ou responsável: A vítima é passiva, se julga incapaz de agir, não assume responsabilidade, não aprende da experiência. O responsável analisa a situação, conclui e assume sua responsabilidade nos resultados para bem e para mal, aprende da experiência. A vítima desproporciona as situações, o responsável proporciona-as.
4. Desproporcional ou proporcional: “fazer uma tempestade num copo d’agua” é o lema do “desproporcional”. Brigar aos gritos com o filho por este haver quebrado um copo, com a mulher por um comentário, com um funcionário por uma falta mínima. “Há coisas piores” é o lema do “Proporcional”. O primeiro cria uma relação W-L, o segundo uma relação W-W.
5. W-l ou W-W: Encarar a vida sempre como competição, na qual um ganha o outro perde, e sempre medindo que vai ganhar e lutando contra todos para ganhar é a visão W-l. Já o W-W sempre vai achar a fórmula para que ambos os lados saiam satisfeitos de uma solução de problemas. Na relação pais-filhos, casal, família, empregado-empregador, educando-educador a visão W-l levará a destruição das relações, enquanto que a visão W-W poderá projetá-la a esferas mais altas.
Motivação e motivo vem do mesmo verbo latino movere, mover-se. Para agir, relacionar-se, mudar, confrontar é preciso motivação. Motivar é conseguir uma mudança no comportamento próprio ou do outro, dirigido a um fim determinado.
4. Empatia
Reconhecer os sentimentos de outras pessoas, compreender porque os outros se sentem assim, sentir as emoções dos outros como se fossem as suas próprias. Esta habilidade de sentir-se como os outros é a “empatia”.
Quando desenvolvemos a empatia, a quarta habilidade prática da inteligência emocional, as emoções de outros refletem em nós mesmos. Sentimos quais são as emoções, a sua potencialidade e a sua origem. É importante diferenciar empatia de simpatia. A última é uma relação positiva em relação a outra pessoa, sem necessariamente saber e entender os seus sentimentos. A empatia inclui a compreensão das perspectivas, pensamentos, desejos e valores alheios.
5. Relações Interpessoais
As relações interpessoais, a quinta habilidade pratica da inteligência emocional, são a capacidade de se relacionar com o outro, de escutar e ser escutado, de absorver e ser absorvido, numa relação de diálogo real e verdadeiro.
A comunicação interpessoal se faz em três níveis – cognitivo, emocional e moral-ético. Uma vida plena e exitosa se constrói gradualmente a partir de uma série de interações cotidianas com outros seres humanos, nas quais algumas são vitais e outras triviais, no entanto, nenhuma deixará de ter consequências. O êxito na vida particular-social ou profissional, a capacidade de solucionar conflitos dependerá indiscutivelmente da eficácia das relações interpessoais.
Para se obter um bom manejo nas relações interpessoais é preciso um auto grau de autoconsciência, canalização emocional, motivação e empatia. Talvez seja esta o objetivo final de nosso processo, a capacidade do indivíduo de relacionar-se com o mundo objetivo e subjetivo de forma positiva, na qual consiga criar relações verdadeiras, íntimas, construtivas, eficientes, produtivas. Uma relação na qual o indivíduo tenha consciência de seu ser, saiba transmitir seus sentimentos, pensamentos, valores de tal forma que o outro seja capaz de absorvê-los, motivado para uma própria mudança e sendo capaz de motivar uma mudança no outro, entendendo as dificuldades do outro nesta transformação.